domingo, 18 de julho de 2010

Então, cantemos para o Tempo

De Socorro Araújo

Neste domingo chuvoso, com saudade de parte da minha família que voltou pra casa, na Itália, fico matutando sobre esta entidade tão misteriosa e encantadora, o Tempo. Como demora a passar, às vezes. Como passa depressa... Aqui pertinho da minha casa, numa quebrada entre a Vasco da Gama e Brotas, tem uma gameleira, uma árvore que, pelo menos aqui na Bahia, tem na frente de quase todo terreiro de candomblé. O Iroko. Na bela mitologia dos cultos afros, Iroko representa o tempo. É a árvore primordial. O ciclo vital. Será que olhar o tempo dessa forma não pode nos ajudar a mudar a trajetória desta nossa sociedade? Ver o tempo como um orixá não é melhor do que nos relacionarmos com esse "tempo" dos relógios de ponto, dos horários comerciais, das liquidações, das aplicações financeiras, do medo de envelhecer? Penso que temos ferramentas pra mudar este nosso caminho. Temos belos mitos. E tão próximos de nós. Como o Iroko da minha rua. Olho pra ele agora como não olhava antes porque revi a minha filha e os meus netos depois de quatro anos. Neles, reencontrei muito de mim e do pai, que há quatro anos também vive longe. Em outro mundo. Distante fisicamente, mas muito próximo na memória dos que o amaram. Será mesmo que é só a genética que explica como é possível que num italianinho branco tenha tanto de um brasileiro meio negro, meio índio? E numa neguinha baiana que hoje é também muito italiana tenha tanto de uma avó sertaneja? Fui com eles lá pro sertão. E lá em Canudos também me vi naquelas mulheres quase centenárias, de rostos enrugados, que rezam felizes os benditos de Santo Antonio. Assim como me vejo em tantas coisas de minha mãe e de minha filha. Quando perguntavam ao italianinho de 9 anos o que ele achou de Canudos, ele respondia: "O lugar é feio, mas o povo é bonito". Ah! o tempo. O Tempo. Será que o Giuseppe foi um jaguncinho? E a Camila uma das rezadeiras do Conselheiro? Precisava ver os dois nas novenas de Santo Antônio. Parece que sempre estiveram ali. No banco da frente de uma igreja da Canudos mais uma vez reconstruída. Tem mais do que DNA nessa história. Ah! se tem...

E, em meio a essas reflexões desta tarde de domingo, encontro um vídeo que me fez voltar ao passado. Mais de 30 anos depois, parece que estou nessa mesa de bar, tomando com eles uma cervejinha e cantando um sambinha gostoso. Saudosa maloca/maloca querida... Como nada é mesmo por acaso, mando o vídeo pra vocês. Confesso que chorei. De saudade. E de alegria. Porque entendi um pouquinho mais dos mistérios do tempo. Prestem atenção na despedida, no final. A mim deu uma sensação de que também nós nos despedimos dos dois. Felizes. O Tempo é mesmo um orixá.

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