segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Sobre Gal e a preguiça

"Gal Costa criou polêmica ao chamar o baiano de preguiçoso. Muita gente se ofendeu. Eu, não. Fico é orgulhoso, porque a recorrente crítica ao nosso comportamento, no mais das vezes, traduz uma grande inveja pelo nosso saudável laissez faire, pela nossa radical vontade de curtir a vida. Deixem que os paulistas se matem de trabalhar, ignoremos a faina ininterrupta de outros povos nacionais, pois nossa cara é esta mesmo: trabalhar o suficiente para ter grana e tempo a fim de curtir praias,cervejinha gelada e muita música. Para quê melhor, gente?"

texto é do jornalista Alexandre Ferraz e saiu publicado na coluna Em Tempo, de hoje, no jornal Tribuna da Bahia. Concordo com Alex em verso e prosa. Além disso, Gal foi muito radical: quem é que pode trabalhar com dor de cabeça?

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Mais um ano ao Bonfim



Salvador hoje foi, de fato, como acontece todos os anos, duas cidades: a Alta e a Baixa. Na Alta, um dia como outro qualquer, bancos, comércio, escritórios, bares, restaurantes, tudo funcionando normalmente, embora se percebesse um movimento menor no trânsito e nos estabelecimentos comerciais.
Como em todos os anos, desde 1754, se não estou enganada, a festa é realizada na segunda quinta-feira de janeiro, para a lavagem da escadaria e do adro da igreja. O motivo era preparar o templo para o encerramento da novena em louvor ao senhor do Bonfim, que termina no segundo domingo depois da festa de Reis. A origem  vem do tempo da escravidão, quando os senhores mandavam lavar a igreja para o fim da novena. É  minha festa popular preferida. É evidente que não sigo mais o cortejo pelos oito quilômetros que vão da Igreja da Conceição até a colina do Bonfim... A ida é divertida, o pior é voltar .
No bairro, ninguém marca compromisso para o dia da Lavagem. Muita gente não vai trabalhar. Não porque não queira, mas porque não tem como sair de casa. O  transporte coletivo não funciona e a circulação de veículos é proibida.  A disputa pelos táxis - que ficam nas imediações e  que acabam dando uma boa volta pela cidade – pode acabar em tapas.... Mas, hoje, até onde eu vi, a polícia não teve trabalho. Os policiais estavam mais para platéia, plácidos, observando os festejos sem nenhum traço de tensão. Não vi briga ou sequer um gesto de grosseria.
Um  bon vivant amigo que participa da festa, e avisa descaradamente no escritório  onde trabalha – ele é arquiteto-  que não vai trabalhar porque a festa é uma tradição, particular sua de mais de 30 anos,  explica que o trabalho da polícia costuma começar depois da 17h, quando as pessoas iniciam o retorno e alguma delas –quase todas na verdade-  já beberam mais do que deviam.
Um amigo e uma irmã do meu filho, por parte de pai óbvio, que não moram em Salvador e que me acompanhavam, ficaram decepcionados por não terem visto a saída do santo. “Que santo, minha gente? Essa é uma festa profana. Não tem santo nenhum. Na Lavagem do Bonfim, o cortejo é a festa”, ensinei.
A Lavagem, ao meu ver, é a festa popular mais eclética da Bahia. Até mais do que o Carnaval. Não há divisão de classe social, gênero, ou idade. As pessoas se misturam, quase sempre vestidas de branco, para seguir o cortejo, ou simplesmente se espalham pelos oito quilômetros do trajeto para assistir o cdesfile e dançar ao som de charangas ou fanfarras. No sincretismo religioso o Senhor do Bonfim é associado a Oxalá, o orixá que representa a paz, daí a preferência pela cor branca.
As figuras que participam da festa são de uma criatividade e de uma riqueza cultural- e por que não espiritual?- inesgotáveis. Se fantasiam de caretas, mascarados, escafandristas, enfim do que der na cabeça. A grande maioria prefere a roupa branca tradicional, mas as fantasias são muito engraçadas. É uma festa alegre e divertida.
Na volta para casa encontro uma velha amiga e ela me diz: “Estou com as pernas doendo, sensação de dever cumprido e a alma leve.” Respondo: “Eu também”